Íntegra da conversa sobre o grupo da Casa 7
Os artistas da Casa 7 em 1984 |
Camila Molina - Para você, qual a importância de se resgatar hoje, 30 anos depois, a produção dos artistas da Casa 7?
Sheila Leirner - Do ponto de vista do mercado, esse resgate seria apenas uma estratégia. E, como toda estratégia, mesmo as da vida corrente, não duraria. Mas do ponto de vista histórico e crítico, é sempre importante. O olhar contemporâneo modifica e enriquece a nossa visão do passado, tanto quanto o passado muda o nosso olhar sobre o presente. Com o Casa 7, pode haver um bom reajustamento do olhar. O que julgávamos excelente pode decepcionar e vice-versa.
Silas Martí - E o que achou da crítica na época que via o foco no neoexpressionismo como uma manobra de mercado?
S.L. - Achei exatamente o que ficou provado 30 anos depois: que não era pura manobra. Se fosse, teria vida curta. Veja, o MAM de Paris está hoje com uma extraordinária retrospectiva de Markus Lüpertz. Não ganhou nem uma ruga!
C.M. - Pensando hoje com distanciamento sobre A Grande Tela, como foi colocar as obras daqueles jovens artistas na Bienal?
S.L. - Não foi fácil. Os trabalhos deles eram desiguais. Uns eram mais maduros, outros francamente imaturos. Por esta razão, hesitamos bastante em convidar o Casa 7.
S.M. - Queria que você falasse um pouco sobre a Bienal de 1985, como decidiu convidar o grupo e o que aconteceu depois, como vê a cena de pintura hoje no Brasil.
S.L. - Hesitamos bastante, chegamos até mesmo a pensar em excluir os mais fracos, mas optamos por não separar o grupo, o que foi justo.
Depois aconteceu o que a gente já sabe. O interessante, talvez, é nos perguntarmos o que ficou da Grande Tela. Para mim, ficou a imagem de uma réplica do universo das intervenções, um desdobramento completamente prospectivo e quase divinatório da grande teia em que ele acabou por se transformar com a mundialização e o verdadeiro emaranhado do Web. Como os artistas, e a sua arte, são os únicos a possuir a capacidade de prospecção, um espaço crítico que os teve como medida só poderia nos fazer ver adiante. Olhando a produção pictórica hoje, não apenas no Brasil, como no mundo, penso que a Grande Tela, finalmente, se materializa.
C.M. - Como você recebe as críticas dos artistas da Casa 7 sobre A Grande Tela? Fabio Miguez já afirmou que seu discurso curatorial era "ambíguo".
S.L. - Depois da retratação no final dos anos 90 dos próprios alemães que tinham se insurgido contra o espaço e a ideia, pensei que não houvesse mais incompreensões. Pessoalmente gosto de críticas construtivas, costumo aprender muito com elas, mas não posso aceitar críticas advindas de incompreensões. Para mim, enquanto crítica e curadora, a arte sempre foi a medida de tudo. Quando alguém diz que o meu "discurso era ambíguo" penso que a pessoa só pode estar falando da própria pintura que me levou a criar um espaço e uma análise análogos ao espaço real onde ela existia e se desenvolvia na época. Se o discurso era ambíguo, se é que foi mesmo, é porque provavelmente a arte também o era.
C.M. - O Fabio Miguez disse também que A Grande Tela mostrou que eles "eram mais coletivos do que supunham". Você concorda?
S.L. - Concordo em parte. Eles não eram apenas "coletivos". O espaço curatorial da Grande Tela não dava margem a interpretações. Era perfeitamente declarado, límpido, direto, construído a partir, não de vieses ou princípios próprios, mas do repertório das obras de arte que enfocava. Aquele lugar conceitual e premonitório, pode-se dizer, revelou, antes da hora, que a pintura de quem estava lá, participava da ideia da "mundialização de individualidades". Ficou explícito, além do coletivo, que era a SINCRONICIDADE em seu sentido simbólico e poético, sugerida pelas próprias pinturas, e não a "homogeneidade", como diz o Fábio Miguez, o que estava em questão na Grande Tela.
S.M. - Você pode comentar como foi o relacionamento com eles na época da Bienal?
S.L. - Foi um relacionamento tenso, o que é normal tanto pela inexperiência deles na época quanto pela novidade e importância da situação. Sentia-se que estavam felizes, porém que não “ficava bem” demonstrar (rs) Também não sabiam exatamente qual era o seu papel dentro de um espaço “explicitamente” coletivo, não homogêneo, sincrônico e assertivo como aquele. Queriam a compartimentação, que é sempre mais protetora. Uns estavam mais confiantes, outros com o pé atrás. Coincidência ou não, penso que os menos “objetantes” se saíram melhor em suas carreiras.
C.M. - Enfim, seu balanço, hoje, sobre esse ponto de seu projeto curatorial é positivo ou negativo?
S.L. - Muito positivo! Quando se elimina a hierarquia e o escalões de "importância" entre jovens iniciantes e figurões, livramos o espectador do parti pris que o impede de fruir a obra com verdade. Ao participar de uma apresentação coletiva, e não compartimentada como os artistas do Casa 7 desejavam - o que provocou os atritos entre nós - os trabalhos do grupo, a meu ver, cresceram muito.
S.M. - Como situa os artistas da Casa Sete no panorama daquela época e o que acha deles hoje.
S.L. - No panorama daquela época, o grupo Casa 7 estava mais para “aprendiz” talentoso e experimental que desencadeia eventos sem pensar nos seus efeitos, do que para “feiticeiro” que sabe controlá-los. Qualidade juvenil. As personalidades, caráter, preocupações e energia de cada um eram muito diferentes, portanto evoluíram de formas diversas. Uns com mais arrogância e rigidez, outros com modéstia e flexibilidade, todos se saíram bem – melhor ou pior.
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